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6.6.05


Zé, o gaúcho.

O Zé é um trabalhador assalariado, igual a grande maioria dos brasileiros. Como outros tantos dessa maioria, ama futebol, discute e flauteia com os colorados, joga a sua peladinha no fim-de-semana e junta uns trocados para ir ver seu time jogar. Zezinho, seu filho mais velho, nunca viu a Seleção Brasileira jogar ao vivo. Sempre vê pela TV com seus 3 irmãos menores. Zé passou o mês todo tentando fazer bicos para conseguir comprar ingressos para levar seu filho para o Beira-Rio. Não conseguiu. A opção seria ver o treino, mas tinha que trabalhar no sábado para garantir o sustento da família. Lhe faltaria tempo. Outro problema seria trocar os alimentos não-perecíveis pelos ingressos do treino, por motivos óbvios. Ele teve uma idéia. Pegou o guri, botou uma camiseta canarinho que comprou de um camelô, disse "Hoje nós vamos ver a seleção, Zezinho" e cedo se tocou de ônibus da Restinga pro Hotel Deville. Chegando lá, tinha bastante gente, mas nenhuma multidão. Zezinho estranhou que estavam todos do lado de fora. O pai, preocupado, chegou num brigadiano e perguntou: "Dá pra ver os boleiros?". A resposta foi que nem na grama verdinha do hotel poderiam pisar. "E aí pai?", "Vamos ficar por aqui filho, de repente eles vêm dar um alô pra galera". Ali ficaram e nem o massagista deu alô. Lá dentro, só hóspedes, jogadores e credenciados da CBF. Um jornalista perguntou pro Roberto Carlos (o lateral que usa brincos com brilhantes que podem ser vistos da arquibancada durante um jogo, mas que um dia já foi o Robertinho, filho do seu Oscar, o lavrador) "Não tá faltando contato com o povo?". A resposta "Não, tá bom assim". Perto dali, Juan, o zagueiro que lê livros de história e fala "Aqui, o racismo é mascarado. Não é só a questão racial que preocupa, é a questão social do pobre, negro ou branco", tirava fotos com duas crianças mais afortunadas e credenciadas. Gilmar Veloz Filho, Théo e Raul Stédile disputavam quem conseguia mais autógrafos dos jogadores. Depois de um tempão, lá fora, no sol, Zé e Zezinho abanaram para um ônibus com insulfilm em todas as janelas. Nem a vitória de 4 x 1 serviu pra colocar um sorriso no rosto de Zezinho.

Desculpem, mas eu não podia passar a segunda-feira sem mandar a CBF e a Seleção Brasileira inteira tomarem bem no meio no cu. Estrelinhas de merda.

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